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8/19/2007

O que dizem as paredes Das escolas

Especialistas dizem "não" às decorações das paredes com imagens estereotipadas, defendendo que elas reflitam o que acontecem com OS alunos naquele ambiente

Ao invés de um modelo único perpetuado nas paredes, o impacto DA produção infantil sempre é diverso e instigante
Imagens: Reprodução
Ao dar uma volta em qualquer bairro de uma cidade brasileira é quase impossível não se deparar com muros cobertos de pinturas que retratam guloseimas coloridas, Minnies, Mickeys, dálmatas, ursos, patos, pássaros pintados de maneiras estereotipadas, com cores chamativas, anunciando que naquele imóvel funciona uma escola de Educação Infantil. Muitos adultos que atuam nesse nível de ensino acreditam que as crianças pequenas vão se sentir atraídas por essas imagens. Consideram também que seus pais ficarão satisfeitos com o indício, transmitido pelos desenhos, de que a escola tem uma proposta direcionada aos pequenos. O que se esconde por detrás dessas escolhas e desses muros?

A escritora Fanny Abramovich, no livro Quem Educa Quem?, dedica um capítulo especial ao visual das escolas, onde entrevista Madalena Freire e o artista plástico Valdir Sarubbi. Para OS três, o jeito como são decoradas as escolas revela muito sobre as concepções das pessoas envolvidas: “Entrando em salas de aula de escolinhas e escolonas, em geral, toma-se o maior susto. Uma olhada e já se percebe qual é a proposta DA escola, como a professora encaminha o processo educacional, quais OS valores em jogo...”. Isso acontece porque a estruturação do espaço, a forma como OS materiais estão organizados, sua qualidade e adequação constituem elementos essenciais de um projeto educativo.


Um espaço para a criança



Madalena Freire, no livro acima citado, diz : “Se o espaço é fechado (referindo-se ao fato de que as paredes estão decoradas por adultos), faz com que você perca a sua identidade (o que acontece até com adultos). As escolas que estão lá com o Mickey, a Mônica, estão refletindo que estão mortas, que a sua ação é a de um cemitério...”, acrescenta.

Sobre salas decoradas com esse tipo de personagem, o artista plástico e educador Valdir Sarubbi é mais enfático e declara a Fanny:“... O problema deste tipo de desenho é que é estereotipado, enjoado, batido... É sempre o mesmo traço, sem movimento algum, mesmo no cinema parece que OS personagens não se mexem. É um traço duro, consumidor, sem novidade alguma... É como se fosse uma garrafa de Coca-Cola, sempre igualzinha, que não vai mudar nunca! E o pior é continuar impingindo isso para a criança, que não nutre nenhuma afetividade especial pelo Pato Donald, que preferiria um desenho que tivesse a ver com ela... É exatamente como se faz com a música de rádio, obrigando ao consumismo, ao condicionamento, por insistência, para fabricar um ídolo e não para suscitar prazer ou chegar ao ouvinte pelo nível afetivo...”

A crítica às paredes povoadas pelo mundo Disney é reforçada pela decoradora Vera Fraga Leslie. Formada em Comunicação Social e pós-graduada em História das Mentalidades, ela é autora de Lugar-Comum, “Auto-Ajuda” de Decoração e Estilo. No texto leve e bem-humorado, Vera instiga o pensamento crítico, afirma que nos quartos infantis impera a “disneylização” DA infância e sugere: “Deixe as fadas e OS super-heróis na televisão, for a do quarto.” Isso também vale para as instituições. Em entrevista à Revista Avisa lá, ela diz que “isso leva a um comportamento massificado, e é esteticamente feio. A possibilidade de uma criança estabelecer relações entre o que pensa e as imagens que vê FICA comprometida”.

Há imagens, assim como textos, canções e muitas outras manifestações culturais, que pela qualidade estética possibilitam às pessoas estabelecer múltiplas e diferentes relações; outras, ao contrário, limitam e fecham. Por esse motivo, a Educação precisa examinar com atenção a qualidade dos produtos culturais que oferece cotidianamente para as crianças.


Gosto se discute


Mas, afinal, isso não é apenas uma questão de gosto? E não está estabelecido que gosto não se discute? Vera diz o contrário: “Cada um tem seu conceito de beleza e almeja o belo, mas gosto se discute, sim, assim como cada um aprende a formar um arquivo de imagens e um repertório crítico”. Ela lembra que as imagens e OS objetos falam, e é daí que vêm sua magia e perigo.

Quando temos nas paredes apenas um único modelo perpetuado em um desenho sem qualidade, FICA difícil para a criança iniciar seu processo de “alfabetização visual”, no qual teria que incorporar a possibilidade de crítica ao objeto: “Na falta de uma gramática e de uma sintaxe das imagens que nos dêem a segurança para interpretar e criar, temos que desenvolver a percepção em vez de aceitar, passivamente, a invasão e a saturação de nossas retinas. Ter consciência de que nenhuma imagem é inocente e natural é a primeira etapa para se manter o olho vivo e lidar com as implicações e limitações de ordem cultural, política e social que se escondem em qualquer estética visual”.


Decoração das paredes


Se não vamos decorar de antemão todas as paredes da escola de Educação Infantil, quais seriam as alternativas?




Segundo Vera, o importante é permitir um movimento vivo e construído pelas próprias crianças, em vez de fixar determinados personagens ou imagens nas paredes. A instituição pode se transformar num espaço lúdico, onde todas as condições de segurança estão presentes, mas existe a liberdade para o jeito especial das crianças criarem. Portanto, quanto mais claras, limpas e luminosas forem as paredes, melhor. O colorido virá aos poucos, num movimento permanente, que mostra a alma da instituição e do trabalho desenvolvido por seus educadores, por meio da produção das crianças. É preciso abrir, literalmente e metaforicamente, as janelas para expandir os horizontes do pensamento.

Ainda é Madalena Freire, na entrevista à Fanny, que sugere um caminho parecido: “Quando as crianças, no início do ano, entram na sua sala de aula, as paredes estão totalmente brancas... não há nada dependurado nelas, não existe nenhum material exposto, apenas o essencial para uma organização mínima: bancos e coisas assim... Então, começamos a habitar esse espaço, sentir o corpo atuando nele..”. Após as atividades desenvolvidas pelas crianças em função dos projetos didáticos, Madalena conclui: “E aí, no final do ano, há um céu no teto, todo pintado ou cheio de recortes, mil coisas... Um vão minúsculo, na parede, foi descoberto, e está lá demonstrado, apontado... A sala tem e reflete tudo o que aconteceu durante o ano, nas aulas de matemática, de alfabetização, de informação sobre planetas etc... Estão lá, em destaque, o quadro das descobertas feitas e o quadro das dúvidas levantadas, porque conhecer não é só saber... É duvidar! Desta relação, que é de vida, é que vai se criando e se habitando esse espaço!”

Valdir Sarubbi reforça: “Importante, e muito, é que a sala de aula esteja nua...Se possível, a parede só caiada... Então, quando se transa um trabalho que foi importante para o grupo, se dependura e ele aparece de modo muito mais nítido... Não importa se for um trabalho de desenho ou uma construção no espaço. Fundamental é que ele se coloca por inteiro, sem nenhuma interferência de outros elementos de fora, que atrapalham a própria visão do que foi feito, conseguido...”

A proposta desses educadores é que o projeto arquitetônico, os móveis, as paredes devam se constituir no melhor suporte possível para fazer emergir a expressão das crianças que ocupam o espaço. Jamais um efeito decorativo onde o visual sobrepuja a ação das crianças.


Bibliografia:


– Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, Volume1. Secretaria de Educação Fundamental – Brasília MEC / SEF, 1998.

– Quem educa quem? Fanny Abramovich. Summus.
Site www.gruposummus.com.br.

– As cem linguagens da criança.
Carolyn Edwards, Lella Gandini e George Forman. Edição Artmed.
Site www.artmed.com.br.

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